O texto abaixo foi retirado da prova de Exatas do vestibular da Universidade Federal de Mato grosso do Sul (ano 2002, segunda etapa, manhã).
Devido ao contraste entre “maior” e “menor”, o significado da frase “o maior inteiro menor ou igual a x” pode não se revelar claramente num primeiro contato. (Compare com o Problema Resolvido 8 desta seção.) Uma formulação gramaticalmente superior seria
“o maior inteiro que é menor ou igual a x”.
Ou seja, o piso de x é o maior inteiro que satisfaz a propriedade de ser menor ou igual a x. Uma formulação ainda melhor resulta da observação de que o conjunto dos inteiros que são menores ou iguais a x é . Então,
,
onde “max” significa “o maior elemento de”. Por igual modo,
,
onde “min” significa “o menor elemento de”. Embora nem todo conjunto de números reais tenha máximo ou mínimo, é intuitivamente óbvio que
tem máximo. (Aliás, pode-se provar que isto é equivalente ao axioma de indução em
. Veja a seção Lógica Matemática.)
Mostre que a definição de é equivalente à seguinte afirmação:
é o número
tal que
.
Examinemos cada uma das cinco afirmações da questão.
(001) afirma que se , então
. Correto. Pois suponha que x é um inteiro. Então os inteiros
são
, dos quais o menor é o próprio x. Portanto,
. Analogamente, os inteiros
são
, dos quais o maior é x. Isto mostra que
. Essas duas conclusões nos dão
.
(002) é falsa. O motivo é o seguinte. Recorde-se que a imagem de uma função é o conjunto das imagens dos elementos do seu domínio. No caso das funções piso e teto, o domínio é e as imagens de um número real por essas funções são números inteiros. Ou seja, suas imagens estão contidas em
. Mas, conforme vimos na discussão de (001), todo inteiro é imagem de um número real por essas funções. Portanto, as imagens das funções piso e teto são o conjunto
dos inteiros.
(004) é falsa. De acordo com a definição inicial de piso, é o maior inteiro n para o qual
. Dito de outro modo,
é o maior inteiro n tal que
. Uns poucos cálculos mostram que
. Segue-se que
.
(008) é verdadeira. Mais precisamente, , seja qual for
. Podemos ver isto mais fácil e formalmente a partir da caracterização dada no Exercício 1 (acima), em virtude da qual basta verificarmos se a condição
é satisfeita para , com
. Assim, suponha que
. Então é claro que
(como soma de dois inteiros). Agora, façamos
em
; o resultado é
.
Essa condição é verdadeira? Sim, pois, após subtrairmos n, obtemos a condição equivalente
,
que é sempre verdadeira em virtude do Exercício 1.
(0016) é falsa. Pois , logo
. Assim, o conjunto dos inteiros maiores ou iguais a
é
, e o menor elemento desse conjunto é
. Portanto,
.
Vimos acima que se , então
. Mostre que vale a recíproca: se
, então
.
Todos os softwares divulgados neste site dispõem das funções piso e teto, cujas denominações em inglês são floor e ceiling, respectivamente. No Winplot, por exemplo, obtemos o gráfico de entrando com a expressão floor(x) na caixa de equações explícitas. (No gráfico abaixo, os extremos abertos e fechados dos segmentos foram criados como duas famílias de pontos.)
Para o gráfico de , deve-se digitar ceil(x). (Essa abreviação de ceiling é também usada no GrafEq, mas não no DPGraph e no Mathematica. Note-se que ceiling é um substantivo derivado do verbo ceil.)
Conforme mostramos nos capítulos XIX e XX do CD Números, as funções piso e teto são formidavelmente úteis, e mereceriam um lugar de destaque já no ensino médio. Parabenizamos a UFMS pela excelente apresentação dessas funções numa prova de vestibular. Mas discordamos dos autores da questão quando afirmam que as notações de Iverson facilitam a compreensão dessas funções.
Até a década de 1960, o “maior inteiro menor ou igual a x” era comumente denotado por (lê-se “colchete de x”) e identificado com a “parte inteira de x”. Por volta de 1957, o canadense Kenneth E. Iverson (1920-), então na Universidade de Harvard, desenvolveu uma escrita simbólica para a expressão concisa de conceitos matemáticos, da qual emergiram as notações
e
. Tomadas em conjunto, elas realçam a dualidade das definições de piso e teto (uma se obtém da outra pela substituição dos termos “maior” e “menor” por “menor” e “maior”, respectivamente). Outra vantagem é que os semicolchetes não padecem da ambigüidade dos colchetes tradicionais da notação mais antiga, conforme discutimos no CD Números. Todavia, é evidente que
a mera substituição de "
"
por "
"
em nada altera a complexidade intrínseca do conceito “o maior inteiro menor ou igual a x”.
Iverson apresentou sua escrita simbólica no livro A Programming Language, que ele publicou em 1962. Dois anos depois, suas idéias — incluindo o próprio título do livro! — foram utilizadas pela IBM no desenvolvimento de uma linguagem de programação de altíssimo nível chamada APL. Talvez interesse aos leitores deste site saber que vários aspectos da APL influenciaram Stephen Wolfram quando da criação do Mathematica, conforme, aliás, foi (discretamente) admitido por Wolfram no prefácio do seu recente e polêmico livro A New Kind of Science.
Carlos César de Araújo, 4 de setembro de 2003
NOTA. Kenneth Iverson faleceu em 19 de outubro de 2004 (quase um ano após a publicação desta página).
Carlos César de Araújo, 16 de novembro de 2006